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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Julho de 2009

Por amor a Deus e à hipnose, no palco e no altar Padre Armando Marques “Quando temos o dom, temos de o pôr cá fora”, diz o padre Armando Marques, que, na sacristia, mostra os truques do seu pseudónimo, o mágico hipnólogo Marcos do Vale Na Igreja, não há confessionário. O padre Armando Marques não gosta de caixas fechadas e prefere ouvir os paroquianos numa conversa olhos nos olhos. Diz ter o dom de saber ouvir e orientar. É tudo uma "questão de comunicação". "Costumo dizer que sou padre no palco e artista no altar", confessa aquele que é tão conhecido como Armando Marques, o padre, como Marcos do Vale, o mágico que hipnotiza pessoas por esse país fora. Para ele, "a hipnose é um diálogo entre duas pessoas inteligentes: uma que se deixa orientar e outra que orienta". E rapidamente me convida a entrar no jogo. De pé, à sua frente, fecho os olhos e deixo o corpo relaxar. "Um, dois, três" - e dá a ordem. Adiro à sugestão e balanço para um lado e para o outro como uma árvore ao sabor do vento. Sorrio enquanto o faço. Consciente. A brincadeira dura dois ou três minutos. Estive apenas sugestionada?, questiono. "A hipnose é um transe em que a pessoa entra numa espécie de sono. É um relaxar de toda a sua actividade neurológica, em que a pessoa se deixa sugestionar para determinada situação", explica. Armando Marques gosta de usar "o dom", que tem vindo a aperfeiçoar ao longo de mais de 30 anos e que chama de "intuição por tudo o que se relaciona com o mistério do Homem". Por isso, não é de estranhar que admita que no acto da confissão há "uma espécie de hipnose subjacente", no sentido em que "ajuda ao início da caminhada". Na pequena sala-escritório da residência paroquial, onde vive, em Aguada de Baixo, concelho de Águeda, conta-nos a sua história. No espaço apertado cabe uma secretária, três cadeiras e uma estante repleta de bibelôs de santos e de livros, onde não falta "O Sol da Terra", do cardeal Ratzinger. O mais novo (e único rapaz) de oito filhos de uma família humilde de Vale Maior (Viseu) encontrou no seminário a saída para um futuro melhor. Estudou Teologia e Psicologia e redescobriu-se como ilusionista e hipnólogo quando dava os primeiros passos no sacerdócio. Vira uns colegas do seminário a fazer umas brincadeiras que lhe "faziam um embaraço na cabeça" e dedicou-se a aprender mais. Tinha já três anos de padre quando resolveu enveredar pelo espectáculo, para angariar algum dinheiro para a paróquia de Cacia (Aveiro), onde pregava então. Anunciou o espectáculo, mas quando o público se apercebeu que era ele o ilusionista a sala ficou quase vazia. Ainda hoje há paroquianos que acham que ele se devia remeter à sacristia. "Os mais puritanos", diz. Mas nunca ninguém da cúpula da Igreja o proibiu de praticar as suas artes. "Quando temos um dom, temos a obrigação de o pôr cá fora. Senão, seríamos incompletos", defende. E garante: "Não o utilizo para fins menos ortodoxos." Mestre na hipnose-espectáculo, tem a carteira profissional de artista de variedades desde 1974 e foi dos primeiros a aderir à Associação Portuguesa de Ilusionismo. Assume que a sua principal actividade é a de padre e que a de mágico nunca interferiu com a profissão eclesiástica, nem mesmo quando tinha um espectáculo no Algarve e no dia seguinte tinha de celebrar missa em Avelãs de Caminho ou Aguada de Baixo. Foram muitas as directas nos anos de ribalta, depois de ter ganho por três vezes o primeiro prémio de hipnose no Festival de Magia da Figueira da Foz. Pôr as pessoas a fazer de polícia sinaleiro Aos 67 anos, já não dá para tanta agitação. O Verão está aí, e a agenda vai ficando cheia, com espectáculos marcados para arraiais e festas de santos padroeiros. Cobra um cachê de 750 euros, mas diz que metade dos espectáculos são de graça... para obras de beneficência. O número apoteótico de Marcos do Vale é sempre o da hipnose. Depois de preparar o público com truques em que encolhe cartas, multiplica dinheiro ou tira lenços da cartola, avança para o momento em que leva as pessoas para uma outra dimensão. Sempre "utilizando as suas próprias capacidades", que ele não gosta de "pôr as pessoas a fazer coisas contra a sua moralidade". Escolhe "as mais susceptíveis" e coloca-as a fazer de polícia sinaleiro ou a dançar. O espectáculo termina com um grupo de pessoas em palco a formar uma orquestra. De olhos fechados, obedecem às ordens do professor Marcos do Vale e 'tocam' um instrumento. "A multidão é a coisa mais fácil do mundo de sugestionar", diz. Armando Marques confessa que também já se atreveu fora do campo lúdico e entrou no terapêutico, sem cobrar nada. E "só uma ou outra vez quando indicado por algum médico (...) senão, não me largavam a porta", ironiza. Resolve casos como "um trauma, uma gaguez, um medo de multidões ou uma claustrofobia". Mas "não soluciono os problemas de ninguém", acrescenta. "Oriento, levando a pessoa a perceber que tem capacidades para os resolver." Para ele, a hipnose é "uma osmose entre o corpo e o espírito". E está esta osmose presente nos milagres? Cauteloso, admite que "muitos dos milagres do Evangelho são coisas psicológicas" e que "Jesus era um pregador poderoso que comunicava que a falta de saúde interior levava à falta de saúde exterior". Porém, lembra que "os milagres são também intervenções com um fundamento de fé". E há que não misturar as coisas e não fazer confusão. Milagres são milagres e, esclarece, enquanto "na hipnose terapêutica se diz a verdade, na lúdica de palco a gente faz dela um mistério... e um divertimento".

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